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Música no coração: os média e a cidadania global

A Salzburg Media Academy é o resultado de uma iniciativa pela paz, a ciência e a cultura mundiais que nasceu no pós-guerra – o Salzburg Global Seminar foi descrito pelos fundadores como uma espécie de ‘Plano Marshall for the Mind’. Tivemos a oportunidade de ali partilhar como trabalhamos a literacia para os média com as escolas e educadores do projecto MigratED – enquanto ferramenta imprescindível de uma educação para a Cidadania Global. E de assistir a uma semana de workshops e conferências brilhantes.

O cenário não podia ser mais impressionante: um pequeno palácio à beira do lago onde Julie Andrews filmou a cena do barco a remos de ‘Música no Coração’, com os Alpes como cenário. Construído no século XVII pelos arcebispos que regiam a Áustria, o palácio em estilo Rocócó passou depois de mão em mão até chegar quase ruína às mãos do dramaturgo, artista e libertário Max Reinhardt em 1918. 

 

Transformado em residência de artistas, laboratório dramatúrgico e espaço de cultura e arte, foi todo renovado pelo dramaturgo durante 20 anos. As pinturas, o mobiliário, a maravilhosa biblioteca onde apresentámos o ‘MigratED’, as salas que inspiraram os cenários do ‘Música no Coração’ – qualquer uma abrigou artistas e criadores até ao trágico desfecho. Quase podemos imaginar a bandeira nazi a desfraldar na fachada quando foi transformado na sede da gestapo para a região e, além de Max Reinhardt, quem terá sentado nas mesmas cadeiras. Só ao chegar a Lisboa percebemos que dali se pode avistar em dias claros o ‘Ninho das Águias’ de Hitler…

Para limpar estes dias negros da história humana, os fundadores do Salzburg Seminar criaram esta organização sem fins lucrativos com o apoio da atriz Helen Thimig, viúva de Reinhardt – iniciativa que cresceu desde 1947 e à qual muitas pessoas de todo o mundo têm acesso: toda a envolvência é elitista e de conto-de-fadas mas na verdade a maioria dos alunos que participam têm bolsas e os professores são convidados.

Há 15 anos nasceu a Salzburg Media Academy neste espírito universalista, como uma oportunidade de aprendizagem para alunos, mas também uma troca de experiências entre a equipa de professores e oradores – a equipa, liderada por Paul Mihailidis do Emerson College, fez-nos sentir em casa e o programa, duro para os alunos, foi inspirador e democrático.

 

 

Shahidul Alam, o fotógrafo do Bangladesh e fundador da Drik, uma das primeiras agências que consegue colocar imagens de fotógrafos do Sul em agências internacionais, contrariando a visão colonial dos média internacionais. Contava na sua conferência que ‘desistir é um luxo que não nos podemos conceder: ‘não consigo distinguir ativismo e arte’ o que coloca este ativista pela justiça social, libertado há menos de um ano pelo regime do Bangladesh, na vanguarda da cena artística internacional (depois da antropologia, a arte situada e ativista). 

 

 

Foi um privilégio escutar também outra voz que faz a ponte entre o Norte e o Sul: Sangita Sheresthova é uma daquelas pessoas que cresceu entre mundos – nasceu do outro lado da cortina de ferro, em Praga, mas o pai é da Índia – e consegue dar corpo e criatividade à ideia de Cidadania Global. Facilitadora natural, investiga novos métodos de fomentar o diálogo intercultural e dirige atualmente o projecto de investigação ‘@CivicPaths’, na Universidade do Sul da Califórnia. O projecto dá corpo ao conceito de ‘Civic Imagination/imaginação cívica’ ou como ‘imaginar uma visão colectiva para um futuro melhor’ para apoiar comunidades diversas a canalizar a sua energia colectiva em prol de uma mudança real no mundo. Aguardamos com expectativa o seu livro no prelo: ‘Practicing Futures – um guia para domar a imaginação cívica’.

 

 

Do outro lado do mundo, enquanto as ruas de Hong Kong fervilham de contestação social, Alan Au, professor em Stanford e na Universidade de Hong Kong trouxe a sua análise da situação David e Golias face à China. Uma brilhante e nova forma de colaboração sem líderes, uma iniciativa cívica verdadeiramente partilhada, protege hoje os ativistas nas ruas do que aconteceu em 2013 quando os organizadores dos protestos foram presos e os estudantes torturados. Ativismo localizado e colaborativo, transversal à sociedade em vez de focado em líderes estudantis, fez do movimento um sucesso até agora. Sente-se o fervilhar de emoções que contraria a fleuma de um asiático, deixa-se adivinhar o receio da realidade para o pequeno David que enfrenta a poderosa vizinha (‘O tempo é a maior arma para a China’) e o pessimismo não escapa a quem pesquisa os fenómenos de censura tácita e auto-censura nas redações jornalísticas – mas a utilização que os ativistas de Hong Kong fazem dos média e de redes verdadeiramente sociais, tecnologicamente muito simples, é inspiradora na apresentação de Alan.

 

E quando falamos de literacia para os média, de ativismo e de armas para lutar contra a tirania, não podíamos deixar de escutar uma Senhora com esse grande: Elisa Lees Munoz, americana com origens aqui na vizinha Andaluzia, é directora da IWMF – Fundação Internacional para as Mulheres e os Média e gere programas de apoio e capacitação para mulheres jornalistas em todo o mundo, para que possam fazer o seu trabalho e ter uma voz, de forma o mais segura possível. Os bot, as fake news e as perseguições e difamações online tornam a atividade da fundação cada vez mais necessária para proteger mulheres jornalistas, não apenas em regimes ditatoriais mas aqui mesmo ao nosso lado – e o trabalho tem sido tão útil que estão neste momento a adaptar a formação para trabalhar com mulheres na política, que sofrem exactamente o mesmo tipo de assédio e perseguição digital.

Uma palavra ainda para Meg Fromm, uma educadora que conhece bem o sistema formal de ensino e é, também uma excelente co-facilitadora da Academia mano-a-mano com o Paul Mihailidis – e a brilhante Claudia Kuzman, da Universidade Americana de Beitute, Líbano, que perguntava: ‘como podem os factos lutar contra as emoções?’. Jornalismo cidadão, colaborativo e incluindo as vozes do sul: a coordenadora do projecto NewsScoop, Camila Warrender, trouxe todas estas questões para discutir em Salzburgo. A fotógrafa Karah Shaffer, do projecto ‘Faces of Change: Documenting America’ que retrata as mudanças económicas e sociais em várias cidades – começou com o projecto ‘Documenting Detroit’. Chris Harris que veio falar do poder da música e especialmente do Rap, para aproximar e educar as pessoas através dos média. E ainda, o generoso e criativo Pablo Martinez-Zarate, que nos veio oferecer ferramentas digitais e software livre para trabalharmos com os alunos e professores no MigratED – o nosso mui obrigado!

 

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