Nos dias que correm não é fácil ser optimista. Para aqueles que, como eu, têm o privilégio de viver em países com um nível de desenvolvimento socioeconómico razoável, o mundo parece caminhar para pior.
Os ciclos de notícias e as redes sociais raramente nos lembram que estamos mais saudáveis e vivemos mais tempo (a esperança média de vida mundial duplicou desde 1900), que há significativamente menos pessoas a viver em pobreza extrema (10% em 2015 contra 36% em 1990), que a mortalidade infantil é agora 4.3% quando nos anos 60 era 18.2%, que há mais igualdade no acesso à educação, mais liberdade, mais paz e mais prosperidade.
Mas é verdade que para além das ameaças de guerra, terrorismo e extremismo, continuamos a ter 736 milhões de pessoas a viver com menos de US$1,90 por dia (em 2015), 815 milhões a sofrer de subnutrição crónica (apesar de desperdiçarmos anualmente 1.3 biliões de toneladas de produtos alimentares), 780 milhões sem acesso a água potável e 1.3 biliões sem energia eléctrica. E isto sem falar nas catástrofes causadas já (e antecipadas) devido à nossa pegada de plástico, petróleo, Co2 e às alterações climáticas resultantes.
Durante décadas olhou-se para os países mais ricos para “ajudar” as nações mais frágeis e empobrecidas a resolver os “seus” problemas de desenvolvimento. Mas actualmente é cada vez mais evidente que só com parcerias globais e efectivas – com uma verdadeira “cooperação para o desenvolvimento” – conseguiremos vencer os desafios globais que enfrentamos no nosso tempo.
Porém, quando se estima que para atingir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) seria necessário um investimento anual entre 1 a 4 triliões de dólares – sendo que a ajuda oficial ao desenvolvimento em 2016 foi de apenas 142 biliões de dólares e que outras fontes oficiais e não oficiais de ajuda externa se estimam em 500 biliões de dólares – rapidamente concluímos que este caminho não basta.
E é neste contexto que surgem os negócios inclusivos. Apesar de poucas pessoas conseguirem definir claramente o conceito – que se confunde frequentemente com negócios sociais, empreendedorismo social, inovação social, criação de valor partilhado – a verdade é que eles são uma realidade crescente e, apesar de não fazerem milagres, são certamente parte da solução deste dilema.
Os negócios inclusivos têm um enquadramento mais lato do que o dos negócios sociais – que se tornaram populares no início deste século, principalmente depois de Muhammad Yunus, considerado por muitos o pai do microcrédito e dos negócios sociais, ter recebido o Prémio Nobel da Paz em 2006.
Enquanto um negócio social é aquele que, procurando a sustentabilidade financeira, é criado para resolver um problema de cariz social (para exemplos de referência aconselho vivamente que leiam o artigo da Stanford Social Innovation Review sobre a BRAC “In the Black with BRAC“), os negócios inclusivos visam incluir na cadeia de valor – como empregados, fornecedores, distribuidores ou consumidores – as pessoas que vivem na chamada “base da pirâmide”. Isto é, abrir o mercado, e as suas oportunidades, a cerca de 4 biliões de pessoas que dispõem de menos de US$8 por dia ou que não têm acesso a produtos e serviços básicos ou oportunidades de geração de rendimento.
Com os negócios inclusivos o sector privado surge pela primeira vez como “parceiro de desenvolvimento”. Não associado à filantropia ou à responsabilidade social corporativa, mas sim como parte do seu modelo de negocio. Um modelo que conjuga os interesses próprios do sector privado com a política de desenvolvimento dos ODS.
Como se sumaria no relatório Scaling Up Inclusive Business (da IFC e Harvard Kennedy School): “Os negócios inclusivos são interessantes para as empresas porque podem oferecer novas oportunidades de inovação, crescimento e competitividade, tendo simultaneamente um impacto positivo ao nível social e de desenvolvimento. São interessantes para doadores bilaterais e multilaterais, fundações, governos e organizações da sociedade civil, porque têm o potencial de estimular o impacto do desenvolvimento de formas sustentáveis e multiplicadoras que não exigem alocações contínuas de subvenções. E são interessantes para os mais pobres porque possibilitam um maior acesso, mais escolha e mais oportunidades para as suas vidas e o seu futuro.”
Na parte II falarei mais em detalhe deste modelo e, em concreto, de como ele pode – e deve – extravasar o sector privado e ser uma abordagem transformadora no desenho e implementação de programas de desenvolvimento socioeconómico.
(Ariana Simões de Almeida – Empreendedora Social e Co-Fundadora da Empreza Diak)