“Conhece-te a ti mesmo”: a antiga máxima grega encontra-se nos pilares do nosso pensamento coletivo, porém é uma das mais fáceis de esquecer. Numa civilização dirigida pela velocidade da informação, o auto-conhecimento fica pelo caminho, na medida em que nos exige parar para analisar.
As organizações não são imunes àquela cultura e vivem, frequentemente, reféns da pressão para reagir com rapidez. Um dos preços a pagar é o do insucesso da reação, que por sua vez radica no desalinhamento entre o desafio que a motivou e o (des)conhecimento que a organização tem das suas reais capacidades. Ou seja, na pressa de reagir, não avaliamos o “como” ou o “com que recursos”.
Conhecer as suas capacidades deveria, portanto, ser não apenas um passo seminal, mas também um processo contínuo de qualquer organização que deseja prosseguir – e progredir – na sua missão. No caso das organizações com missão social – sejam públicas ou privadas – o conhecimento e desenvolvimento de capacidades serve o propósito de criação de impacto social.
O tema das capacidades organizacionais constitui um amplo campo de estudo e abundam as definições. Uma das mais simples é a de Raphael Amit and Paul Schoemaker: uma capacidade organizacional é o que permite a uma organização “disponibilizar recursos, normalmente combinados, usando processos organizacionais, para efetivar um fim desejado”.
Como bem sinalizou um artigo recente na Stanford Social Innovation Review, aquela definição simples encerra três elementos importantes: (1) orientação para resultados – a capacidade operacionaliza a intenção de resolver o problema; (2) fundação em recursos – a capacidade exige que certos ativos intrínsecos da organização – os seus recursos – sejam mobilizados em sinergia e (3) utilização de processos – a capacidade só se efetiva se estiverem estabilizados processos organizacionais complexos.
Se uma organização se baseia em recursos e se as suas capacidades são recursos estratégicos, então há que fazer uma gestão estratégica das capacidades organizacionais. Isto significa ir além de um diagnóstico neutro das capacidades e priorizar aquelas que são decisivas para a missão da organização – expressa, por exemplo, na sua teoria de mudança (C.R. Hibbs).
Considerar as capacidades organizacionais como recursos estratégicos no processo de gestão do impacto social tem fortes implicações. Desde logo, o reconhecimento de que o desenvolvimento dessas capacidades está na fundação do ciclo de gestão. Em seguida, a constatação de que esse mesmo desenvolvimento é um processo contínuo e ligado à aprendizagem da própria organização: desenvolver capacidades é, também, aprender com sucessos e insucessos.
Um tema recente
Até há pouco mais de uma década, o tema das capacidades organizacionais era praticamente ignorado pelos financiadores de organizações com missão social. A partir de 2005 essa realidade começou a mudar e alguns dos principais financiadores, como as fundações Rockefeller e Open Society, entre outros, que incluíram a capacitação organizacional entre as suas prioridades de financiamento. Tratava-se do reconhecimento de que relações e impactos duradouros têm de estar assentes em capacidades organizacionais e não no projeto X.
Portugal “acordou” tarde para o tema mas pode dizer-se que, no contexto da União Europeia, tem recuperado caminho rapidamente. Em 2013, a CASES e a Fundação Montepio decidiram apoiar o Programa Impacto Social, inteiramente dedicado à capacitação de organizações. Em 2015, este programa apostou no tema do diagnóstico de capacidades organizacionais e, nesse mesmo ano, a Portugal Inovação Social incluiu o diagnóstico como pré-condição para financiamentos no eixo Capacitação para o Impacto. Desde 2018, o Cidadãos Ativos (EEA Grants Portugal) faz idêntica exigência.
Em comum aquelas iniciativas seguem o racional de que, para impactar as comunidades com bons projetos, as organizações têm, primeiro, de possuir os recursos – as capacidades – adequadas e que essas capacidades vão muito além da disponibilidade financeira. Uma organização capaz faz um uso mais eficiente e eficaz dos recursos ao seu dispor, no processo de criar mudanças e impacto sociais.